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quinta-feira, 31 de maio de 2012

vitória.




abrira de novo a caixa de correspondências. e nada. fora a terceira vez desde que o dia raiara, mas era essa a sua mania: esperar cartas. cartas que não viriam, já faz um tempo que não se trocam mais, só e-mails, mas, preferencialmente, umas mensagens rápidas por computador. foi-se a era do papel - infelizmente, ela pensava, perderam o gosto pela poesia. foi-se o tempo do toque ausente, da tinta no papel, da caligrafia, foi-se o tempo das folhas sem linhas e os erros de alinhamento. sobe a montanha, desce a montanha. e a imprecisão do traço revelando os sentimentos todos. tem gente que chora e borra a tinta - deixa ficar. deixa marcado o que é se passava por dentro quando por fora eram só palavras.
mas já não é época de cartas. já não é época de caneta, de lápis, de papel. mesmo assim vitória aprendera a esperar, como forma de aliviar o coração cheio de afazeres. vitória tinha os cabelos apertados numa trança e o coração, num emaranhado de sentimentos. não aprendera na escola a arte de ser leve, mas havia descoberto com o tempo e com o mundo pequenos subterfúgios ao peso de algumas dores e culpas. porque, no fundo, todos temos barreiras e barrancos dos quais sofremos um medo crônico. e se não for da expectativa do que existe do outro lado, do alcance inalcançável, não faz sentido nem tentar pular, nem tentar escalar. se não fosse o desejo de chegar, ficaríamos para sempre presos e estáticos no mesmo lugar de sempre, apenas observando outros corajosos chegando aos paraísos. é da coragem em vencer a fragilidade que nos tornamos gradativamente fortes.
vitória tinha essa estranha mania, irremediável mania, de ter fé na vida. gostava da primavera, pelo cheiro de vida que dá quando as flores abrem. pela cor que o sol irradia em tudo, em todos. e quando venta, há um perfume gostoso e sutil de aurora. acreditava que o amor não seria um desses grandes enigmas que o mundo prega. o amor é fácil, é semeado na brisa. o amor é aquilo que as pessoas não se sentem fortes o suficiente para sentir, sem saber que é uma condição constante e indissociável - não uma opção: ama-se sempre e de maneiras variadas. ela sabia disso e, de alguma forma muito complexa para ser explicada em poucas linhas, amava encontrar a caixa de correspondências vazia. amava chegar até lá com uma expectativa e voltar sem nada nas mãos. já se acostumara em prolongar a esperança e se alimentar dela todas as vezes em que sua fé na vida parecia falhar. era o combustível, era o motor e, sem querer, tornava-se cada vez mais tudo que tinha. vivia para abrir a caixa e depois fecha-la, como um operário que aperta um parafuso. um ato mecânico, como escovar os dentes. uma tarefa de sobrevivência, como tomar água.
e seria sempre assim, se não fosse essa manhã. ainda era outono, as folhas forravam o chão em seu tapete estranho e quebradiço cheio de cores. abrira a caixa e nada. devolveu a tampa que, com o impulso, fez um tilintar que misturou-se com uma voz inesperada. um bom dia que não fazia parte do ritual de chegar, ter certeza da ausência e voltar para a casa. eis que chegara alguém. não uma carta, nem um beijo. não viera um pássaro em sua janela para cantar uma serenata. era a voz de um homem. era grave e nem por isso doída. era uma voz sem corpo martelando dentro de seu ouvido. abaixou-se para pegar uma folha caída no chão. bom dia, moça. ouviu de novo. sabia que viria de alguém, mas teve receio de virar-se. não era medo. era só receio, esse sentimento que nos dá quando fazemos coisa errada e pressentimos que vai dar errado e algo manda nosso corpo correr para bem longe. mas nós continuamos, vamos até o fim, até dar errado. até ter certeza que deveríamos ter corrido.
vitória parou, amassou a folha com os dedos. o som de algo quebrando como uma onda na orla de uma praia deserta. fez um eco. e olhou. sabia que não deveria olhar, mas olhou. oi, moça, tem carta para você.

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Divulgação/Facebook

Stefano Manzolli, dezenove anos, adventista do sétimo dia, escritor de blog, desenhista de moleskine, estudante de letras. um grande aprendiz da vida que não domina muito bem a arte, mas que tenta melhorar com o tempo. aprendeu a ser grato a Deus e não sabe mais viver sem redes sociais: tem tumblr
, web-book, twitter e facebook . gosta de conhecer e experimentar o mundo através dos outros e das coisas que escreve.




**Manzolli é o convidado e amigo de Dani para a web-serie CONTO 4 CONTO.
ela acontece as quintas-feiras!**

6 comentários:

Layla disse...

Que lindo!!! Lindo texto, belas palavras, e linda iniciativa!!! Meu Nestante favoritos, amoooo cada um!!!!

Mayaia disse...

Ha, que texto maravilhoso! Gosto muito dos escritos do Stefano Manzolli, são muito bem elaborados, reflexivos e únicos! Parabéns pela iniciativa de postar contos, por vezes eles são esquecidos... é sempre bom resgatar esse tipo de texto literário! Parabéns ao Stefano, que estuda Letras assim como eu, e sou dependente das redes sociais.

Anônimo disse...

Bonita história. Bela poesia. Moral da história: a esperança é prazerosa.

Jonathas de Sant'Ana disse...

tem outra palavra pra dizer? magnífico! quero mais, e com desfechos mais desfechados! hihihi

Rodrigo Coelho disse...

que saudade eu estava de ler algo assim! é difícil acreditar que meus olhos ficaram marejados? pois é, eles ficaram. e estou feliz por isso! =D

nossa! coisa linda, esse texto. muito rico em detalhes. do jeitinho que gosto. parabéns!!!

abraço, Stefano.

Rafael Lucas disse...

quanta sensibilidade nas palavras!
texto SHOW!

parabéns Stefano.

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