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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Meio

vitória dobra as folhas e joga-as longe. não, não pode ler mais do que já leu. nem ao menos chorar mais por um amor que não é o seu. os olhos inundam as bochechas de lágrimas. ela sofre sinceramente por um amor que não é seu. e sofre, principalmente, por não ser seu, mais do que por ser um amor. fere saber que os românticos não foram extintos e, mesmo assim, não lhe aparecem no caminho. não lhe mandam uma carta dizendo para esperar a eternidade e nem selar com um beijo cheio de saudade do cheiro de fruta que tem em seu corpo. ela não tem cheiro de fruta, é verdade. mas também não tem ninguém que lhe cheire a nuca e diga que gosta. não tem. simplesmente espera cartas que não chegariam nunca, porque não encontrou quem as mandasse. ou encontrou e, quando menos esperava, foi embora. ela não sabe cultivar um amor. não sabe regar, não sabe dar tempo e espaço para criar raízes. então, chorando as lágrimas que não eram para ser suas, percebe que sua fé na vida é vontade de encontrar alguém para amar - um amor que sabota sempre e continuamente, reabastecendo a fé com a desilusão.

rasga o envelope de olhos fechados. não quer saber o nome, não pode ter certeza de que a carta não é para ela. a carta poderia ser de tereza e quem lhe escreveu fo o homem da fotografia antiga. se não tivesse rasgado, saberia em qual mesa deveria ter ido parar a correspondência, mas que acidentalmente tornou-se a sua. deu sorte que, desde o cabeçalho, os nomes foram trocados por apelidos carinhosos no diminutivo. sente-se amorzinho, queridinha, maçãzinha. faz-se vocativo. apronta o quarto interno do coração para o sentimento novo que chegou. afofa a cama, ajeita o tapete. e espera. troca a roupa, limpa a maquiagem, suspira altiva. e espera - de novo. não se cansa e não perde a força.

marcos pinta freneticamente. não quer perder nem sequer um detalhe da imagem que guarda na memória. o vermelho vivo parece esfumaçado - quando visto nas pálpebras. mais escuro, parece sangue. parece vivo e, por isso mesmo, real. tem vontade de beber. e já não sabe mais se a vontade é de abocanhar como uma fruta ou sorver como um licor. não sabe. será que embriaga? pensa. delira. gira no quarto com a palheta na mão e a mistura entre as matrizes. cria cores que não será capaz de reproduzir. e por quê? porque esse é um quadro único. é sua obra-prima. sua avó choraria vendo-o. seu pai se orgulharia. é tão intenso que parece ser dotado de forças vitais. não faz rascunho. não precisa. tem vontade de pintar as paredes, o chão, o céu. tingir as folhas das árvores de vermelho! o mundo vermelho, uma grande e suculenta maçã. viveria como um desses bichos que comem o fruto inteirinho por dentro e deixam a polpa podre. a cor viva - mesmo assim. viveria imerso, afogado no suco agridoce da maçã. alguém que acredita no amor, diria que ele sofre de paixão. assim, devastadora, à primeira vista. paixão: com todas as letras e no aumentativo preciso do tamanho desacerbado de seu sentimento. e a cor? escarlate. vermelho. rouge. sempre. sente vontade de abrir a porta, atravessar a rua correndo, bater à porta do outro lado e implorar.

abrir o coração sempre cheio de amarguras e cicatrizes. e deixar plantar algo de lindo e novo. mas não abre a porta. não gira a chave. não corre pela rua. não se move. estanca a pincelada. o quadro vai virar artigo de luxo na próxima feira. seu pai não vem ver. sua avó não vem ver. algum dia, alguém numa sala bem decorada, vai olhar para o quadro e perguntar sobre o pintor. mas a dona não saberá nada a respeito. comprou na feira, assim: a preço de nada. quase de graça. um quadro expressivo, assim com pinceladas tão fortes e grossas de vermelho. tons tão diferentes. e esse mesmo alguém, inspirado pela arte, vai compor um série imensa de quadros chamada fogo e vai vender na europa. mas marcos nunca saberá, porque não sai de casa. não sai do quarto. não enfrenta a vida. viveria um grande amor, mas acaba em uma pintura fria.

mas isso é só o meio da história, tudo é sempre um meio. temos fins e começos, mas que se trançam em tantas outras histórias - que já existem no mundo e estão pela metade - que acabam se tornando meios. caminhos. fios de uma única manta, rezas de um único mantra. e, então, quando achamos que encerra-se um ciclo, um outro se inicia. não vivemos em círculos, mas em espirais. dando voltas e voltas - vez ou outra temos breves pausas para não enjoar. mas gira-se. move-se sempre. como se a vida fosse um trilho e nós, sentados no carrinho de montanha-russa, aproveitássemos o passeio cheio dos seus loopings. existem sempre infinitas histórias que poderiam vir-a-ser, mas que não são, porque um pouco antes de acontecerem, alguém desvia de caminho, alguém evita, troca, estende. e toda mudança gera novas possibilidades, altera os fatores das probabilidades todas. não há laço que não amarre outro fio. sempre assim, o tempo inteiro.

e tereza, que já perdeu um amor, contempla de sua janela outro ser desfeito - antes mesmo de começar - e sorri desconsolada por causa disso. sente o peito apertar. por quê? não sabe. mas sente, aprendeu a ser sensível desde pequena, quando o pai foi embora e nunca mais voltou. aprendeu a buscar amor em outros braços. aprendeu a por a mesa e fingir que, na verdade, é só uma vontade de deixar tudo arrumado. faz chá de maçã, por causa da árvore que tinha no quintal. aprendeu doendo a ser sensível à beleza. e ter paz. sempre que reflete sobre a própria vida, gosta da epifania que tem quando percebe que é de paz a essência que lhe infla. faz silêncio. a mão sobre o braço desnudo está meio fria por causa do vento que sopra fino, parece cócegas. antes de virar-se para pegar uma blusa, ora por alguém que nem imagina o nome. só ora. e observa. e espera - por um fim que seja começo e meio ao mesmo tempo.

o sol poente tem cor de maçã.


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Divulgação/Facebook

Stefano Manzolli, dezenove anos, adventista do sétimo dia, escritor de blog, desenhista de moleskine, estudante de letras. um grande aprendiz da vida que não domina muito bem a arte, mas que tenta melhorar com o tempo. aprendeu a ser grato a Deus e não sabe mais viver sem redes sociais: tem tumblr
web-booktwitter e facebook . gosta de conhecer e experimentar o mundo através dos outros e das coisas que escreve.





Esse é o ultimo conto de Stefano, relembre Maçãs , Marcos ,Tereza e Vitória

**Manzolli é o convidado e amigo de Dani para a web-serie CONTO 4 CONTO.
ela acontece as quintas-feiras!**

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