e ficou na janela. assim, uma mão sobre a outra, um braço meio cruzado sobre o outro. parecia que esperava algo. mas tinha os olhos vazios, fixo nas folhas da grande arvóre à frente de sua casa. algumas estão amarelas - sintomas dessa estação fria, seca e dilacerante que enfrentava. outono. vem do grego, ela pensava, e quer dizer morte. quer dizer que a vida está em época de desvanecer, de acabar-se. sente o sopro - que também vem amarelo, porque essa é a cor da monotonia - do vento no rosto. os cabelos soltos, acabara de lavar, ainda um pouco molhados. finge que não espera, que não fez café novo. finge que não tem cheiro de bolo no forno e não tem fé no peito. finge que só olha para as folhas e, assim, faz-se estátua. como de sal. como de pedra. mas não de carne e osso e coração e sangue pulsando como era. cai mais uma folha da árvore. tem mais um pássaro que vem visitá-la. não, não vem por causa dela, vem pelo cansaço de voar e para no galho. fica quieto olhando-a nos olhos. olhos nos olhos, quero ver o que você faz. parece que canta. um canto amarelo. um canto doído, rachado.
outono vem do latim, na verdade, vem da mesma origem de ouro, por causa das cores. é o tempo em que tudo se camufla de dourado para não parecer tão solitário. para tentar disfarçar a necessidade de colocar meias. tereza não tem meias nos pés, pisa direto no chão. o chão frio, a vida fria. os olhos vazios de quem finge que não espera. mas o chão tão lindo, cheio de moedas-folhas de ouro. tem vontade de jogar-se dali de cima direto no colchão amarelo. será que morre? tudo morre no outono, mas ela não tinha medo da morta. aprendera a não temer, porque não é um monstro. era uma mulher de fé, sabia que a morte não era o fim. era o que dizia a bíblia - em cima da mesa, ao lado das xícaras dispostas. não por que esperasse alguém, mas dispostas para o caso de precisar servir. a casa arrumada. lera um salmo pela manhã, não se lembra qual o número, mas um bonito. deus lhe conhece antes de nascer. e por isso, talvez, convencia-se, duas xícaras: ela e Deus sentados à mesa conversando sobre o dia. ela e deus abraçados antes de dormir. ela e Deus na janela. a mão cruzada sobre a dela era divina. mas ela finge que não espera. finge que não se sente sozinha.
faz uma oração. aproveita esses momentos de silêncio para orar. outono vem do aramáico, da mesma raiz de paz. ninguém acreditaria se dissesse isso em voz alta numa roda de amigas ou num encontro de família. mas sentia uma paz enorme, inexplicável que vinha lhe preenchendo aos poucos com o vento nos cabelos. o cabelo molhado ainda morno. o rosto levemente maquiado para disfarçar a noite mal-dormida. faz tempo que não dorme bem e não sabe por quê. não, sabe sim, mas finge que não sabe. finge porque é mais fácil do que aceitar. só não entende como pode ter paz. se no fundo do coração tem uma tempestade tomando forma, tem um animal faminta berrando por leite. não entende como pode estar assim, plácida na janela, sorrindo para a criança que passa com a mãe carregando um balão. os dois levam um balão: o da criança, azul; o da mãe, de sonhos. essa paz é tua, Deus, diz em oração.
o bolo pronto no forno. o café frio. cai mais uma folha no chão. tem vontade de chorar, mas sabe que não pode, porque não espera. não, não espero! não espera nada. ela é forte, está na janela só para ver a vida, nada demais. é uma tarde como outra qualquer. não espero por nada, preciso tirar o bolo do forno. quem é que faz bolo no meio da semana numa tarde vazia? alguém que tem um encontro marcado com Deus? talvez. é isso que ela diz para si mesma, enquanto fecha a cortina, que voa com o vento que antes lhe mexia nos cabelos. outono vem do português, da mesma raiz que saudade.
outono vem do peito de tereza, que não sabe mais o que esperar. nem se deve esperar. mas, no fundo, calada, ainda espera, porque um dia lhe prometeram uma carta que nunca chegou. abre a bíblia. ela, Deus e um sol poente.
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Divulgação/Facebook |
Stefano Manzolli, dezenove anos, adventista do sétimo dia, escritor de blog, desenhista de moleskine, estudante de letras. um grande aprendiz da vida que não domina muito bem a arte, mas que tenta melhorar com o tempo. aprendeu a ser grato a Deus e não sabe mais viver sem redes sociais: tem tumblr, web-book, twitter e facebook . gosta de conhecer e experimentar o mundo através dos outros e das coisas que escreve.
ela acontece as quintas-feiras!**
Um comentário:
I-N-C-R-Í-V-E-L, sensível, emocionante.
Parabéns Stefano.
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