marcos desenha maçãs. e mãos. mas principalmente maçãs e outras
frutas que ele não gosta de comer. nunca gostou - a maioria nem sequer provou. acha
estranho o fato de morder alguma coisa que fica fendida do lado de fora da
boca. as poucas frutas que come são pequenas: às vezes uvas; às vezes morangos.
mas acha morangos azedos e, sabe-se lá o porquê, acha a vida também azeda. e
por isso evita ambos: morangos e viver. gosta de sorvete, mas nunca viu um
quadro de sorvete. nas aulas de pintura, durante a faculdade, aprendeu a pintar
cestas de frutas. e a reclamar. reclamar muito e tudo. ele é amargo, como os
morangos que evita.
hoje desenha maçãs, que gosta de comer quando picadas. está fazendo uma série de quadros, conseguiu uma galeria, pela primeira vez, para expor os seus trabalhos. faz quatro anos que pinta e faz oito que frequenta a feira livre e vende para madames - que compram frutas de verdade e de tinta. não sabe se comem ou se enfeitam as salas com toda aquela tralha. mas ele não se importa em ser jogado no lixo, desde que tenha dinheiro para comprar mais tinta e pagar as contas. não sobra quase nada, mas ele mora com um amigo - que trabalha numa dessas empresas grandes que pagam por hora. ganha bem, paga a maior parte do aluguel. os dois se conhecem desde pequenos, dizem que são quase irmãos. e marcos aceita a irmandade e explora quando o dinheiro acaba. não é por mal, mas é por necessidade mesmo. nem sempre querem comprar frutas de mentira, nem sempre vende muito. às vezes, quando chega no final do mês, olha para as coisas que tem que pagar e ei, jorge! será que você pode me ajudar esse mês? a grana a grana tá curta - jorge completa. já conhece o discurso, nem responde, nem tenta lhe dizer para fazer algo decente da vida mais. não diz mais nada. aceita e paga. é por amor de irmão que faz isso. sente-se mais velho - mesmo sendo mais novo que marcos - mas sente-se em posição de protegê-lo
hoje desenha maçãs, que gosta de comer quando picadas. está fazendo uma série de quadros, conseguiu uma galeria, pela primeira vez, para expor os seus trabalhos. faz quatro anos que pinta e faz oito que frequenta a feira livre e vende para madames - que compram frutas de verdade e de tinta. não sabe se comem ou se enfeitam as salas com toda aquela tralha. mas ele não se importa em ser jogado no lixo, desde que tenha dinheiro para comprar mais tinta e pagar as contas. não sobra quase nada, mas ele mora com um amigo - que trabalha numa dessas empresas grandes que pagam por hora. ganha bem, paga a maior parte do aluguel. os dois se conhecem desde pequenos, dizem que são quase irmãos. e marcos aceita a irmandade e explora quando o dinheiro acaba. não é por mal, mas é por necessidade mesmo. nem sempre querem comprar frutas de mentira, nem sempre vende muito. às vezes, quando chega no final do mês, olha para as coisas que tem que pagar e ei, jorge! será que você pode me ajudar esse mês? a grana a grana tá curta - jorge completa. já conhece o discurso, nem responde, nem tenta lhe dizer para fazer algo decente da vida mais. não diz mais nada. aceita e paga. é por amor de irmão que faz isso. sente-se mais velho - mesmo sendo mais novo que marcos - mas sente-se em posição de protegê-lo
e, por isso, marcos tem certa vergonha dele. não gosta de pintar quando está perto. tem um bloqueio. teme o que jorge pensa da sua vida, o quanto lhe acha um perdedor, um frustrado. estudou artes por quatro anos para afrontar o pai, que não lhe viu formar: morreu de tragédia, mas não comenta nada sobre isso nunca. é por isso, jorge disse uma vez para uns amigos num bar, que não pinta pessoas. é um medo de reproduzir a vida e eterniza-la de certa forma. se pintasse um olhar distante e de ressaca, por mais que os anos passassem e a tinta se apagasse um pouco por causa de uma falta de cuidado crônica, continuaria assim: distante e de ressaca. e a expectativa de que, um dia, pisque, lhe amedronta. não consegue frequentar salas com rostos de gente, os olhos abertos sempre. muitos olhos, todos olhos. quantos olhos existem no mundo? muitos, menos os de seu pai. acorda suado e afogado quando sonha com o pai e levanta-se, no meio da noite, como hoje, tranca-se no quarto e pinta. hoje pinta maçãs, porque só se acalmou quando lembrou do cheiro da apfelstrudel de sua avó - na saudade, sentiu paz. sempre assim: preso ao passado, amarrado, tentando se desculpar ou, ao menos, provar que fizera a escolha certa.
desenhou maçãs a manhã inteira. não voltou a dormir. almoçou fazendo rascunhos, não conseguiria descansar em paz enquanto sentisse o cheiro de torta. é a primeira vez que pintará pensando na avó. achou que, enfim, seria uma boa homenagem a ela. ela que terminou de bancar seus estudos, mas ele tem uma relação estranha com as memórias dela. toca-as somente às vezes como se fossem sagradas, um altar que só pode visitar em dias muito especiais. faz uma reverência, por isso a maçã deve ser perfeita. mas não consegue. nunca acha que a maçã está boa, sempre encontra defeito, esquece. joga os desenhos pela janela, num momento de raiva. já é quarta, sábado e domingo tem feira, precisa vender, porque o final do mês está chegando e tem vergonha do jorge. de pedir de novo que ele pague a net, que ele pague a luz, que ele sustente seu sonho. toda vez que jorge paga a conta, no fundo, marcos se lembra de seu pai lhe mandando fazer outra coisa. mas finge que não é por isso. finge que é por não gostar de explorá-lo - apesar de gostar.
ele finge um monte de coisas, por exemplo, não se importar com o fim de seus quadros. finge que não está morrendo de felicidade pela galeria que lhe pediu para expor. finge que é triste, na verdade. finge que acha morangos azedos, finge que acha a vida azeda, tudo por que, um dia, jogou a vida bonita que tinha no lixo. seguiu um caminho errado e acha que, por isso, tem que ser triste sempre. tem que sofrer. tem que comer morangos como se fosse remédio. tem que desenhar frutas e contar quantos pares de olhos estão andando pelas ruas. a aflição que pisquem. espera ansioso que pisquem. precisa que pisquem, porque essa é a sua esperança de que estão vivos e não pintados numa parede da vida.
gosta da vida, no fundo. e gosta muito. mesmo que dissimule, morre de vontade de viver. e é dessa vontade que, depois de jogar os desenhos pela janela, olha para baixo para vê-los tocar o chão. mas não, esquece os papéis quando para os olhos numa moça recebendo uma carta. tem vontade de pintá-la. ela usa vermelho, parece uma maçã.
uma maçã perfeita.
________________________________________________________________
![]() |
Divulgação/Facebook |
Stefano Manzolli, dezenove anos, adventista do sétimo dia, escritor de blog, desenhista de moleskine, estudante de letras. um grande aprendiz da vida que não domina muito bem a arte, mas que tenta melhorar com o tempo. aprendeu a ser grato a Deus e não sabe mais viver sem redes sociais: tem tumblr, web-book, twitter e facebook . gosta de conhecer e experimentar o mundo através dos outros e das coisas que escreve.
ela acontece as quintas-feiras!**
7 comentários:
cadê o fim???
o fim esta ai!
o fim vem só no quinto post, é uma história só. WAIT FOR IT :)
confesso que estou curioso para ver o final!
Stefano cada dia nos surpreendendo com seus lindos contos. Ansiosíssimo pelo fim da história do Marcos. =)
vou lançar a tag no TT #QueremosLivrodeContosdoStefano hahaha.
Abç!
a história de marcos esta ai, ele é o 3º de 5 partes. aguarde.
Gostei de Marcos. A descrição me lembrou, não sei porque, Tistu de O Menino do Dedo Verde. Achei então, que estava lendo a historia de um menino, até que me surpreendi com um trabalhador, e que "já saiu de casa", e que, inclusive divide a casa e paga as contas, e que portanto, vive dramas, ou finge que vive. Não lia contos há tempos, a expressão "net", tão nova, me colocou no devido tempo da historia. tá tão bonito. Vou ler os outros...
Postar um comentário
e pra você, o que faz sentido?